sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Livro de imagem, um campo que reluz:

da educação ambiental à literatura infantil
Peter O’Sagae
Dobras da Leitura

Dentre as diversas funções que o circuito escolar tem atribuído à literatura e, em especial, à literatura infantil, encontramos notas a respeito de seu potencial formativo junto à criança-leitora. Quem nunca pensou que é importante ler (a literatura) para acalentar uma consciência crítica acerca da realidade? Não são poucos os especialistas que recomendam a leitura de histórias para engatar uma boa conversa sobre os temas urgentes que circulam vida afora, com a intenção de aproximar alunos e as diferentes problemáticas da atualidade. Existe uma ideia, por assim dizer, enraizada, de a literatura para crianças facilmente abrir caminhos para a tomada de uma consciência futura ou mais imediata sobre os enfrentamentos que a sociedade vive — e, neste artigo, tento relacionar a literatura infantil e a educação ambiental.

Primeiramente, poderíamos considerar histórias ou poemas que tratam diretamente das maravilhas da natureza ou então da preservação dos animais, o uso da água e de outras fontes naturais, espécies já extintas, poluição... Da vasta produção editorial, poderíamos recorrer a textos que variam da mera atitude de contemplação a posições mais combativas. Antes de deslancharmos aos títulos, poderíamos tentar observar se determinado livro de literatura para crianças não tende a fórmulas fechadas e estereotipadas que evocam um estado paradisíaco de convivência com a natureza, ou, noutro extremo da pauta, fazem uma acusação tácita à ganância e à insensibilidade humanas como responsáveis pela degradação ambiental — sem dar margens para a reflexão. Ainda seria preciso avaliar se, além do desequilíbrio ecológico assinalado tão veementemente, não nos deparamos, ora, ora, ora com o desequilíbrio da qualidade literária, em textos em que mal viceja um pistilo de estética e, por isso mesmo, comprometem a ética de uma provável arte apta a regenerar os sentimentos.

A educação ambiental tem exigido uma compreensão mais sintonizada entre cultura e o lugar do homem no mundo — e isso implica em uma revisão de condutas. Em um bonito desenho animado, com roteiro e direção de Isao Takahata, Omohide Poro Poro (1991), encontro as palavras que bem ilustram uma crítica à contemplação romântica, ou inocente, sem compromisso com a vida em sua totalidade. Na história, Taeko é uma jovem urbana que, desde a infância, aninha a vontade de morar nos campos, o que para ela significa estreitar os laços com a natureza. Somente adulta, consegue dedicar um período de férias para viver o cotidiano de uma comunidade rural, acordando cedo e trabalhando, com a segurança de sentir-se recompensada e feliz à luz do sol que se deita... Entusiasmada com as “paisagens verdadeiras” que tem diante de si, Taeko recebe de Toshio a mais carinhosa repreensão: — “Veja bem, quando as pessoas que vivem nas grandes cidades olham uma floresta, esses bosques ou os riachos, logo pensam nessas coisas como coisas naturais. Talvez, exceto no mais alto das montanhas, todos os outros lugares que você chama de campo, foram realmente moldados pelo homem. Não só os arrozais ou aqui os campos de cártamo, todos os lugares têm uma história. Mesmo que os homens tenham lutado contra a natureza, aprenderam a se beneficiar dela e algo de bom adveio do que fizeram, à maneira do campo que reluz agora diante de você...” Incrível, não? Pensar que muito pouco tenha sido produzido sem o auxílio dos homens e que a própria natureza é um espaço pertencente à cultura humana, um ponto onde se encontram a ecologia ambiental e a ecologia das sociedades.

Na literatura infantil, os problemas ambientais têm recebido um tratamento circunstancial, por mais diferentes que sejam os recortes que “tentam” conscientizar o leitor sobre a poluição de mares e rios, o desmatamento e a destruição de florestas, o destino do lixo nas cidades, entre outros temas. Muitos textos igualmente corroboram para uma oposição entre avanço tecnológico e preservação da natureza, de maneira ainda inconsequente. O que pensar? De fato, a literatura para crianças parece ter pouco a dizer sobre o assunto e anda a arriscar-se em tomar o lugar de outras fontes de informação próprias para um debate mais produtivo. Diria mesmo que a literatura para crianças não encontrou palavras suas para sustentar um diálogo ecológico — e, por essa razão, decidi por uma indicação de leituras com livros de imagem. Valeria, então, inverter a mão do uso da literatura na escola: em vez de engatarmos, após os livros, uma conversa a respeito de um tema para a educação ambiental, por que não partir do tema já pesquisado e estudado noutras fontes para interagir com a literatura? Com os textos, refletir nos afetos e sonhos que povoam o imaginário dos autores, lembrando que os livros de imagem despertam caminhos silenciosos por onde os leitores podem seguir, mas não encontrar uma mensagem...

A trama visual de um livro de imagem solicita que seja reconstruída à maneira de um campo que reluz diante de nossos olhos — e mais do que extrair ou caçar os sentidos do texto, como uma atividade predatória da leitura, é urgente e belo depositar e cultivá-los, dar palavras à história e ver brotar nossa própria ecologia interior.



O texto acima foi escrito em outubro de 2007, a pedido de uma editora para publicação em um jornal dedicado a professores do ensino fundamental. Mas, não foi publicado... A indicação de leitura constava de dez títulos: Casulos, de André Neves (Global), Fio, de Marilda Castanha (Vale Livros), Noite de cão, de Graça Lima (Paulinas), Outra vez, de Angela Lago (Miguilim), Toalha vermelha, de Fernando Vilela (Brinque-Book), Zoom, de Istvan Banyai (Brique-Book), O caminho do caracol, de Helena Alexandrino, Um rio de muitas cores, de Lúcia Hiratsuka, Victor e o jacaré, de Mariana Massarani, e A menina da árvore, de Eva Furnari, pertencentes à Coleção Olho Verde (Studio Nobel).


Nenhum comentário:

Postar um comentário