Não existe mais a Sala dos Pés

Não existe mais a Sala dos Pés.
Nem a Sala dos Olhos.
Nem a Sala das Mãos.

Em 1994, Ilo me pedia para não confundi-lo com ‘hilo’ (‘fio’, em castelhano). Fio de histórias, sim. “História que, para não ser igualzinha ao dia a dia da gente, a gente amplia mais e mistura...” Coração, rio, pássaro, flor, sonho, barco. Durante nossa entrevista, eu não me importava em escapar para outros lugares.

Debaixo da água tem terra.
Debaixo da terra tem água.
Dentro de cada criança existe um homem
de olhos abertos para o mistério de crescer
da noite para o dia e do dia para a noite.
Dentro de cada homem existe uma criança
recolhida numa sombra de crepúsculo
que teima em evocar... “eu era”...

(Ilo Krugli, in Teatro para um homem de olhos abertos.)

‘Reunia um grupo de crianças, vizinhos, era um bairro de operários em Buenos Aires, periferia de Buenos Aires, e brincávamos... Geralmente, o teatro era feito ao pé de uma escada dum sobrado, onde eu morava. Junto à escada, mas a escada também fazia parte do espetáculo. E lá realizávamos — claro, houve até outras encenações, de repente, me lembrei, também com figuras desenhadas... A gente fez em cima de uma mesa — era todo o cenário — era desenhado, com velas atrás de alguns objetos que eram casas, árvores... E fazíamos o Príncipe Feliz desse jeito. (Eu escolhia, sem dúvida, ser o protagonista: eu era o Príncipe Feliz e sempre tinha um momento, no final, muito comovedor. No final, quando a andorinha realmente não pode mais voltar e morre junto ao príncipe. E as próprias crianças que faziam ficavam muito comovidas, não é? É um momento que gostávamos de compartir, todos...)’

Krugli tinha um lagarto-dragão em seu quintal. Foi a última vez que vi a ambos, no 31 de janeiro de 2019. Os olhos do fabuloso animal pareceram-me suficientemente Ilo. A Prefeitura de São Paulo invadiu e demoliu o espaço do Teatro Vento Forte na última quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025. No Parque do Povo não se permite o verde, nem a capoeira, o piano, a festa.

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